

Súbito
De súbito a vida
me recupera as estrelas,
como se eu aprendesse a poesia
mais uma vez,
na ilusão de que a houvesse perdido,
pois perdera a angústia.
A dor que me fazia sentir o mundo
feito uma chama
está suspensa,
a solidão que me fazia amar
o amor pela saudade
partiu no último vapor,
a busca que me trazia
rente às palavras,
feito um ser que não tinha escolha,
perdeu a raiz, o solo, a terra,
porque hoje o meu viver
é mais a calmaria de um balão no ar.
De súbito, o súbito cedeu lugar
à tranquila imagem de um abraço,
à contemplação do cosmo
pelas coisas pequenas,
e agora sou senhor dessas palavras,
como é senhor da flora o jardineiro.
Você me concedeu a calmaria
a despeito dos medos,
e a lucidez, sem arrancar-me os sonhos,
porque sabe que sem eles
eu não poderia existir.
E agora vou limpando
as minhas sombras,
e hoje sou pura luz,
amanhã vejo meu vago perfil
escurecido no chão,
depois volto a ser plena luz,
e os dias vão se alternando,
e com o tempo a sombra diminui.
Quero estar com a alma polida
até que eu possa ser
a faísca de uma lâmpada,
ou a fé de uma vela,
ou todo o brilho da luz do sol.
Tulio Ferneda